23 de out. de 2013

Morangos Silvestres

Não amigos, não temam: o título desta postagem não nos levará a uma densa discussão sobre o denso filme do denso cineasta vizinho, o sueco Ingmar Bergman. Apesar de adorar essa coisa lúgubre e totalmente introspectiva dos nórdicos (ainda esses dias revi Cenas de um Casamento, de 1973, mais atual do que nunca, que se se diga...), o mote desse texto é bem mais prosaico: o bucólico e talvez extemporâneo ritual veranil de coleta de morangos e outras frutas silvestres (bom, o título do filme, sim, tem a ver com minhas reminiscências).

É realmente curioso: no causticante verão de 17º da linda Noruega (e possivelmente na Suécia de Bergman não é diferente), um dos programas mais populares e divertidos são as singelas caminhadas morro acima, morro abaixo, morro acima, morro abaixo e assim sucessivamente, em busca de arbustos contendo as deliciosas e desejadas frutinhas. Tudo é festa: o sobe-e-desce (daí a forma invejável e as pernas fortes daqueles nórdicos danados: vigorosos, saudáveis e esbeltos - andar, andar - e esquiar - sempre!), a sherlockiana procura por morangos, amoras, framboesas, molte e tyttebaer (a blueberry), azeda de doer e amada por eles, sobretudo sob a forma de geleia.

Quando, incauta, arrojada e juvenil, desembarquei naquelas terras distantes e então desconhecidas e fui convidada para um desses programas, confesso, pensei cá comigo: "catar frutinhas; será que não há nada mais interessante para fazer???".

Mas, contudo, todavia, entretanto, visto que minha ânsia de descobrir e interagir com aquela cultura tão diferente da minha era gigante e genuína, talvez já imbuída do espírito desbravador viking, não me fiz de rogada, nem de desanimada: à coleta (tipo "eu vou, eu vou, catar frutinhas eu vou...").

A bem da verdade, mais me cansei, novata na luta com e contra os arbustos e as frutinhas, do que propriamente curti o programa. Corria tentando alcançar os lépidos vikings, com suas pernas fortes e mãos treinadas para o plukke cá, plukke lá.

E, depois, bem à moda desse povo aparentemente caladão, mas afetuoso, dado às coisas simples da vida e devoto da sagrada e benfazeja luz do verão, acontece a mais deliciosa confraternização: na cozinha, final de tarde, sol ainda visível, um vinho branco gelado, um café ou mesmo um chá, e o banquete da retrospectiva do dia, alimentado pela rubra coleta. São morangos comidos inteiros, geleias preparadas ali, na hora, e experimentadas com lamber de dedos, crianças com bocas roxas correndo pela casa, vikings apaziguados pelo calor e pelo contato com a natureza, característica que, a meu ver, é a que melhor os define. São duendes disfarçados de gente, povo da floresta e dos sutis mistérios do Norte. Dias silvestres, de doer pernas, cheiro de morango, amora, framboesa (excluo a molte, não fede nem cheira), rubros enfim.

A Escandinávia reserva muitas surpresas... Produziu Bergman, o dramaturgo Ibsen, os malucos experimentais do Dogma 95, o dançante A-Ha dos anos 80 (não façamos aqui escalas de comparação intelectual...), tanta coisa que vale a pena... A longa e lenta escuridão que possivelmente alimenta a melancolia (olha aí o Von Trier) casa-se com o sol da meia-noite, que traz a luz que produz morangos silvestres, amores loucos e livres e outras frutinhas mais.

Ah, sábio Leminski: haja hoje para tanto ontem!

*plukke: colher, catar, pegar.

2 comentários:

  1. Cara Viking inspirada,

    eu gosto de Morangos Silvestres, o filme. Gosto de morangos, a fruta. E provavelmente iria adorar o verão Norueguês subindo e descendo morros verdejantes atrás dos rubros tesouros...

    Um texto com cara de sexta: alto astral total!

    Beijão,

    Lulupisces
    lulupisces.blogspot.com

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  2. Ai, que delícia, um texto com sabor de morango!
    Tks:-))))

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