23 de mar. de 2013

Bolo de noiva

Ontem à tarde fui a uma confeitaria sugestivamente chamada “fada formiga” (assim, com minúsculas). Eu havia saído de uma sessão hard core de análise e nada me parecia melhor, naquele instante, do que um afago gastronômico, o qual viria a ser um delicioso bolo de chocolate. Que mulher não recorre a isso quando o ego e tudo mais está fora do lugar, de sintonia, dos trilhos, enfim...
Eu sei: há outros afagos (alguns até bem menos calóricos), mas um chocolatinho cai bem; muito bem.
O local é de fada mesmo e tudo lembra Paris, de onde vêm os pequenos e graciosos objetos de decoração, várias peças de louça, a inspiração doceira e as cores das paredes, nos tons de alegres macarrons! Móveis de demolição, coisinhas e cacarecos empilhados naquela desorganização francesa deliciosa, um lugarzinho que vale mesmo a pena. E ainda por cima situa-se à rua Machado de Assis; voilà, um toque de literatura para completar o cenário pleno de referências reconfortantes.
Não sendo suficiente o bolo maravilhoso, a vista de uma araucária e a ambientação que me levou ao lugar que eu talvez mais ame no mundo [que conheço], começo a observar uma sala anexa à doceria, cuja vitrine já havia visto e que já despertara minha curiosidade incessante. É um ateliê de vestidos de noiva.
Inspirado no mesmo clima parisiense da “fada” e toques de brechó, ali existia outro recanto, repleto de charmosos vestidos retrô, bordados mimosos e rendas de belíssimos rococós (compradas em Buenos Aires, como me contou a dona depois), pendurados em um armário antigo, com jeito de cristaleira. E era mesmo uma cristaleira, só que de vestidos, lindos como bibelôs de cristal.
Vestes para noivas sonhadoras, que cultuam o ideal do casamento rendado, com fita na cintura, cabelos delicadamente ornados e aquele ar nostálgico que às vezes nos faz acreditar que, no passado, tudo era melhor, mais bonito, mais simples, mais organizado, sei lá... Vestidos delicados capazes de botar ordem no trem descarrilado que me levou ao bolo de chocolate.
E foi então que me toquei de outro afago, além da iguaria açucarada: o amor. Meus olhos avistaram na cristaleira das noivas o vestido mais lindo do mundo, forro de cetim coberto pela mais romântica renda bege, alças largas arrematadas igualmente por duas fitas de cetim e um recatado, mas não menos sugestivo, decote em V. Peguei-o do cabide e encostei-o junto ao corpo, no desejo intenso de ser noiva outra vez e desfrutar do deleite da casadoira apaixonada, que se prepara para o amado, como se a ele fosse se consagrar, na secular liturgia do “felizes para sempre”. O vestido fora encomendado por uma noiva que desmarcou o casamento na última hora e, por isso, restou inacabado na cristaleira, quase que à espera de alguém.
Envolta nele e no limite da racionalidade, quase pedi para a designer de casamentos (sim, este é o nome da profissional agora) ajustá-lo ao meu corpo, ora menos casadoiro e mais maternal. Era quase inevitável resistir a tanto afago, tanta possibilidade de amor a ser selado, expressa num vestido.
Mas eis que a prudente e sábia varinha da fada vizinha tocou o recinto e pude assim ser resgatada, trazida de volta à razão com a chegada de uma cliente. E desse modo, eu, a noiva encantada, agarrada ao vestido da noiva indecisa, fui interrompida em meu devaneio por uma noiva de verdade.
Que sorte! Não fosse aquela linda mocinha de olhos brilhantes e ar delicado, teria saído da doçaria artesanal, como a “fada” se define, com mais coisas além da fatia de bolo que levava para meu filho e do pacotinho de biscoitos amanteigados que levava para minha filha... A vida sabe o que faz!


Um comentário:

  1. Dear AnaCris,

    amo esse texto seu! É uma renda francesa!

    Parabéns pelo blog!

    Abraços hermanos da blogueira lulupisces.blogspot.com

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