8 de jul. de 2013

Das coisas que se quebram e que nenhuma cola pode reparar...


Há momentos, lugares, pessoas, afetos e objetos que, para quem olha de fora, não passam de momentos, lugares, pessoas, afetos, objetos. Só conhece o que eles representam quem está do lado de dentro: o misterioso observador interno e sua rede de associações, emaranhados simbólicos cheios de tramas, nós, fios e urdiduras. Aquilo que habita nossa morada mais recôndita jamais poderá ser contemplado por um observador externo em sua transparência; essa porta é trancada, cabe somente a alguns mais perspicazes escutar por detrás da porta e tentar ouvir algo que dê à trama algum sentido.
Há muito que se quebra, que se perde, que se estilhaça, desfazendo-se em mil pedaços, os quais estarão para sempre apartados do conjunto original que um dia compuseram. Às vezes os pedaços são poucos, às vezes muitos, porém ficarão para sempre ali, no chão, na irreversível condição de elementos separados do que antes fora um todo.
Um vaso quebrado será para sempre um vaso quebrado, mesmo que nele só haja uma lasca quase imperceptível. É por isso que a metáfora/provérbio é tão representativa e cabe/cala na boca de todos – “é vaso quebrado”.
E a cola está e estará por ser encontrada desde e para sempre, afinal, teria o poder curativo da reconstrução: bibelôs, chávenas de chá ornadas com flores delicadas, peças de cerâmicas herdadas de entes queridos já mortos, lugares guardados na memória em todas as suas cores; um anel de murano único e para sempre perdido.
O murano é um vidro veneziano e as peças são sempre únicas, em razão de um processo artesanal de fabricação. A combinação de cores não pode ser repetida, sequer a forma como se casam e se entrelaçam, dando à luz objetos belíssimos, plenos de singularidade. Ver um murano “ser espatifado” no chão é um espetáculo trágico, é como se aquele enlace de cores e formas rasgasse o tapete tecido por Penélope, enquanto esperava seu amado Ulisses retornar da guerra. Há muito mais do que vidro ali, muito mais. Os cacos espalhados vão além do que sonha nossa vã filosofia...
Há alguns dias perdi um anel de murano especial, especialíssimo, quase um talismã, repleto de beleza e curvas coloridas, que ornava minha mão com originalidade e graça. Foi-me presenteado por minha mãe, que soube garimpar com sensibilidade algo aparentemente tão pequeno, cuja importância era(é) incomensurável.
A gente sempre espera que tudo se mantenha íntegro, inteiro, do jeito como sempre foi. De certo modo, é ilusão necessária para que se possa seguir em frente. O que a vida vai mostrando, entretanto, e de forma sorrateira, quase cruel, é que muito pouco se mantém íntegro e quase tudo se lasca, cai no chão, desbota, embolora, quebra-se, enfim. Sábia a pueril definição de Adriana Falcão, em seu lindo e singelo Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento:
“Dor: tudo que dá vontade de dizer ‘ai’ lá de dentro do peito, seja topada, perda, cascudo ou abandono.”

Será que um dia a gente encontra a cola?

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