13 de set. de 2013

HOMENAGEM A ISTAMBUL

Este blog nasceu com o desejo de ser um espaço de cultura nórdica, mas os Outros escritos acabaram se sobrepondo...
Bom, os vikings, antes bárbaros crudelos, hoje são democráticos e generosos (em sua grande maioria, não generalizemos). Sendo assim, acredito que um texto sobre Istambul não vá ofendê-los! Na verdade, acho que neste blog cabe qualquer tipo de escrito que venha da inspiração. Parafraseando Pessoa, tudo vale a pena, se a vontade de escrever não é pequena!

AO BÓSFORO...

Há um tempo que o Médio Oriente me fascina, mais precisamente, desde que comecei a ler sobre a escrita corânica, que é tida pelos islâmicos/muçulmanos como via de comunicação direta com Deus e cujo encanto das formas e arabescos visa simbolizar esta relação com o sagrado. A suprema beleza contida e expressa nos caligramas, textos poéticos escritos em forma de ornamento, por mãos hábeis e delicadas, muitas vezes com tintas de ouro ou misturas secretas, revelam a grandeza de uma cultura que, infelizmente, muito se desgastou com o tempo, com as guerras, com as inúteis e desumanas querelas étnicas...
Também no livro O segredo do calígrafo (ambientado na Damasco dos anos 1950), encontrei belíssimos relatos sobre essa arte da caligrafia, tão desconhecida de nós, ocidentais afobados e utilitaristas, enlouquecidos para que tudo tenha uma finalidade prática e rápida; tristemente negligentes com a sacralidade da arte pela arte, da beleza pela beleza, do detalhismo e do culto à ornamentação como forma de reverência ao divino, entendido a critério do freguês.
E meu amor por essas artes estendeu-se para as plagas orientais e desembocou na mítica Istambul (antiga Constantinopla, capital do Império Otomano), quando, em 2009, li o livro de mesmo nome, de Orhan Pamuk. A Turquia é um país laico, apesar de a maioria da população ser muçulmana, e tem localização geográfica particular – situa-se entre dois continentes – contando com duas capitais, a política, Ancara, e a histórica, Istambul.
Para o meu arrebatamento definitivo, contribuiu o filme O Tempero da Vida, que só pode ser degustado assistindo-se; nenhuma descrição daria conta do cheiro das especiarias, do burburinho das ruas e da singela relação de amor que nasce entre um homem e uma mulher ainda na infância, brincando entre montes de temperos e especiarias num empório tipicamente regional.
Gostaria muito de contemplar o Bósforo, por onde circulam os barcos e a fumaça que expelem, tão apreciados por Pamuk. Em suas palavras, “quando a balsa e o vento mudam ligeiramente de posição, a fumaça que sai da chaminé começa a contorcer-se e descrever curvas acima do Bósforo, lembrando a escrita árabe.” Quisera poder flanar pelas ruelas pitorescas e entrar em lojinhas, armarinhos, ateliês e o que mais houver para me inebriar com a cultura de ouro que ainda sobrevive por lá, mesmo com as agruras do velho tempo.
Gostaria muito, enfim, de ver o Bósforo assim, como o relata Pamuk, referindo-se à sua infância na cidade:
“[...] Em pouco tempo, lancei-me em novas e ousadas experiências. Toda manhã, depois que meu primo saía de casa para o liceu alemão, eu abria um dos seus livros imensos, grossos, lindos (era uma edição Brockhaus, acho) e, sentado a uma mesa, copiava as suas linhas. Como eu não sabia alemão, e nem mesmo ler, fazia aquilo sem nenhuma compreensão, desenhando, por assim dizer, a prosa que via à minha frente. Desenhava uma cópia exata de cada linha e de cada frase. Depois que terminava uma palavra que contivesse uma das letras góticas mais difíceis (um g ou um k), fazia o mesmo que os miniaturistas sefévidas depois de desenharem uma a uma os milhares de folhas de um plátano imenso: descansava os meus olhos contemplando os espaços entre os edifícios, os terrenos baldios e as ruas que desciam na direção do mar, e seguindo os barcos que passavam pelo Bósforo nas duas direções.”


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